Uma das atitudes que deveríamos tomar ao ler um texto sobre política educacional (uma atitude que talvez sirva também para outros textos) é de abandonar a leitura daqueles que repetem a mesma coisa sempre e, diante de alterações visíveis de projetos, programas, pessoas e circunstâncias, nunca mudam de opinião. O caso do ex-ministro Paulo Renato e do “grupo PSDB em educação”
[1] é típico. Eles ficaram quinze anos no governo em São Paulo. Ficaram oito anos no governo federal. O resultado foi simples:
1) privatização da educação em todos os níveis;
2) relacionamento promíscuo das escolas públicas com grupos vendedores de apostilas e livros ligados ao ministro e amigos;
3) relacionamento pouco útil entre o MEC e organismos internacionais de suposto fomento à educação (bancos, e não a Unesco!);
4) queda real na capacidade de ler, escrever, entender e resolver problemas dos jovens brasileiros – atestada por organismos internacionais de variadas tendências;
5) ampliação das facilidades para certas universidades se manterem como universidades mesmo não obedecendo a lei de criarem centros de pesquisa;
6) achatamento salarial em todos os níveis do magistério;
7) incapacidade de esboçar qualquer plano de longo médio ou longo prazo para a educação brasileira;
8) favorecimento claro de certos centros universitários em detrimento de outros;
9) sucateamento das universidades federais;
10) burocratização do MEC
Fernando Henrique Cardoso escolheu um ministro ruim, Paulo Renato, e na educação fez uma gestão péssima. O PSDB repetiu essa dose de erros em governos estaduais. Naqueles onde conseguiu alguma coisa menos ruim, tratou de destruir depois. Por exemplo, foi o caso do “escola família”, no Estado de São Paulo.
Quando Lula chegou na presidência e jogou o MEC nas mãos de Cristóvam Buarque e outros, já era visível que ele não iria dar qualquer atenção para a educação. Cristóvam Buarque não tinha e não tem uma visão contemporânea de educação – ele pode ser bem intencionado, mas sua visão de educação é ultrapassada e resvala para o campo da direita política (seu plano educacional, criticado por mim em
www.ghiraldelli.pro.br, mostra isso). Depois, com os problemas da “crise do PT”, de 2005, aí é que o MEC não conseguiu mesmo se aprumar. Não houve nada de concreto durante os quatro anos do governo Lula. Então, Paulo Renato e “o grupo PSDB em educação” nada dizia. Em alguns raros momentos, houve críticas pontuais aqui e ali. Qual a razão de não criticarem para valer, quando podiam ter criticado?
Nada havia mudado, e então, o esquema montado por Paulo Renato para beneficiar os mesmos de sempre, permaneceu intacto no começo do Governo Lula. Foi então que, por razões de que “Deus escreve certo por linha tortas”, o PT ficou tão sem quadros que o jovem professor Fernando Haddad, da USP, chegou ao cargo de ministro da Educação. E aí, em poucos meses, sob críticas duríssimas da minha parte, o novo ministro foi construindo aqui e ali um plano de reformas, e conseguindo dinheiro que outros não haviam conseguido – talvez sequer tentado conseguir onde ele conseguiu. Conseguiu, inclusive, que Lula mudasse seu discurso, voltando sua atenção para a educação de maneira concreta, e não apenas propagandística. Agora, o plano está na boca de começar a andar. Pela primeira vez, desde o início da nossa República, vamos dar passos no sentido da federalização da educação básica brasileira. E, é importante dizer, isso pode acontecer, segundo o plano, sem o inchaço da máquina burocrática e sem que o MEC tenha de ampliar seus quadros de funcionários de carreira. Então, como a reforma é boa, e como pode fazer o Brasil funcionar e melhorar, e sair dos trilhos errados que Paulo Renato nos jogou, ele agora está andando por aí “discutindo a reforma”. Uma senhora meio esquisita, de nome Gilda Portugal, anuncia isso por e-mail: “Paulo Renato debate a reforma”. O anúncio que recebi por e-mail é estranho: anuncia um debate, mas não diz com quem Paulo Renato vai debater. Claro: não haverá debatedores. O pessoal do governo FHC sempre agiu assim (Serra, em São Paulo , está mostrando isso): só eles falam em um debate. Não há debatedor, só ouvinte. São iguais a direita política que um dia criticaram e que, depois, vieram a namorar e casar – a turminha do PFL, que agora são os “Democratas”. Já viram o jornalista do
Estadão, José Neumanne, em bar? Só ele fala. Não consegue ouvir. Não consegue conversar. Assim é o PSDB.
Ao mesmo tempo em que Paulo Renato , nos braços de Gilda Portugal, é oferecido por e-mail, o jornal
O Estado de São Paulo, convocou a direita política para fazer um dossiê sobre educação. Tudo que foi publicado domingo último é ideologia barata. Os dados são pouco precisos e a avaliação altamente tendenciosa. Parece, então, que o PSDB se rearticula, não para fazer oposição ao MEC (ou a setores do Governo), mas para ver se os interesses fixados antes, na era FHC, não desaparecem. Tudo que falam sobre a reforma proposta por Fernando Haddad, do que li até agora (e meu trabalho de filósofo que escreve sobre história da educação nunca parou), não passa de ou má vontade ou desinformação ou má fé. Em alguns artigos, a má fé fica casada com a visão da direita política mais retrógrada, que ainda insiste em afirmar conceitos degradados, que não deram resultados em oito anos de FHC no comando da República.
Alguns professores universitários, então, na rabeira desse pessoal do Paulo Renato, salienta tudo aquilo que nada tem a ver com a reforma do Fernando Haddad. Chega a ser até engraçado, caso não fosse uma situação de pegar esse pessoal pela orelha e fazê-los ao menos ler o plano de reformas, antes de escrever. Vi esses dias uma crítica de um professor da Sociologia da USP que me dá ânsia de vômito. O sujeito escreveu um monte, e visivelmente não tinha aberto nem mesmo a home page do MEC para ver o que estava criticando. É o cúmulo da desonestidade intelectual e preguiça mental. Sempre,quando critiquei o PT, eu lia tudo, até nota de rodapé, do que queria criticar. Mas ...
O plano de Fernando Haddad é praticamente perfeito, e não há outra coisa a ser feita no momento. Ninguém teve a idéia que ele teve. E agora, a má vontade, a posição direitista e a inveja falam mais alto nas críticas. Eu não. Eu fiz críticas duras ao MEC. Mas, diante do que li e ouvi do ministro, tive de reconsiderar. Sou inteligente. E desde que nasci, posso ser honesto. Posso mudar de opinião quando vejo algo que irá fazer coisa boa para meu país. Algumas das idéias que estão no plano eu, sem saber do plano e, certamente, sem que Fernando Haddad soubesse de minhas idéias (acho que ele leu apenas os artigos meus que o criticavam), desenvolvi em alguns artigos publicados no jornal
O Estado de São Paulo, durante o ano passado, o ano de 2006. A idéia básica do plano de Fernando Haddad, que implica nos convênios entre a União e os municípios – e isto é o filé mignon do plano –, é o passo correto de federalização da educação básica. O MEC vai propor dar o dinheiro e o apoio técnico a todos os municípios que se candidatarem a ter esse benefício. Através dos convênios, o MEC vai atuar em cada município, criando sistemas municipais de ensino e ajudando efetivamente cada cidade a construir sua vida educativa de acordo com os melhores padrões internacionais. Mas só participarão os municípios cujo prefeito der contrapartida. Ou seja, os prefeitos terão de apresentar um plano de carreira para os seus professores, terão de obedecer o piso salarial criado pelo governo para pagamento de professores, deverão ter a municipalidade voltada para a criação e manutenção de aparato físico educacional, terão de mostrar índices de aprovação efetiva e aprendizagem efetiva, etc. A regra é uma só: o MEC tem o dinheiro, a boa vontade, os técnicos contratados (pela Unesco) para ajudar cada município e tudo o mais; os prefeitos devem ter a honestidade de mostrar condições efetivas do município em poder receber essa ajuda. É dessa maneira que haverá a federalização da educação brasileira. Para tal, nada de grandes construções físicas ou cargos burocráticos, mas ação de pessoas nos municípios.
O MEC abriu um edital para contratar os técnicos que irão atuar nisso, inicialmente. São oitenta pessoas escolhidas dentro de quatro mil currículos. Essas pessoas ganharão um salário, por dez meses, de cinco mil reais, e terão todas as condições de chegar nos municípios, avaliar o que é necessário fazer ali, e propor projetos. Então, começará a fase de execução, da verdadeira revolução em educação. Após uma década, os frutos desse trabalho, que poderá levar dois anos ou mais, se fará sentir. Pois tudo está voltado para o quadrilátero: MEC-professor-dirigentes municipais-criança. Nunca esse quadrilátero de estabeleceu de modo horizontal, isto é, em um mesmo plano. Ele pode ter aparecido, mas de modo vertical, hierárquico, sem mecanismos de
feedback. Agora não, ele está posto em um plano, em uma situação de horizontalidade, e cada ângulo do quadrilátero tem valor igual. Não são os prédios e os mecanismos institucionais e burocráticos que estão sendo privilegiados, mas sim os seres humanos, em termos de salário, formação, cuidados e apoio. O resultado deverá ser o seguinte: todo município terá um sistema de ensino funcionando, um verdadeiro sistema de ensino. Isso é o central do “PAC da Educação”. Isso é o que mostra que finalmente temos um plano onde a pedagogia e filosofia da educação são prioridades na ação da política educacional, e não a construção de prédios, a ligação com empreiteiras, a ligação com grupos privados vendedores de apostilas, etc.
Logo o treinamento dos primeiros oitenta técnicos começará. A direita política, com Paulo Renato à frente, e o “grupo PSDB em educação” já está deixando claro que, agora, vai fazer “oposição”. Pois quando o Brasil pode dar um passo adiante, eles aparecem.
Paulo Ghiraldelli Jr.
“O filósofo da cidade de São Paulo”
Editor da Contemporary Pragmatism, de New York
Diretor do Centro de Estudos em Filosofia Americana.
[1] A direita em educação hoje forma um time organizado: Guiomar Namo de Melo, Gustavinho Ioschpe, Eunice Durham e por aí vai.
Paulo Ghiraldelli Jr.
O Filósofo de São Paulo
Site: www.filosofia.pro.br