sexta-feira, 16 de março de 2007

E agora, o Chalita é o culpado de tudo é?

A equipe herdeira de Guiomar Namo de Mello na secretaria da Educação de São Paulo, e que, enfim, transitava entre os partidos comunistas, entre uma parte do resto do PMDB e uma parte do PSDB, está agora se defendendo do fracasso da educação paulista dizendo o seguinte: “foi a chalitização da educação paulista” que causou toda essa bagunça com a “progressão continuada”, não nós. Parece que o ex-reitor da Unicamp, o economista Paulo Renato, está ajudando também a disseminar essa versão. Tudo, agora, seria culpa do Chalita. O fantástico é que a equipe de Serra em educação (se é que ele tem alguma), nos bastidores, também está empurrando essa versão. Bem, em resumo, eis aí a estratégia: vamos crucificar o Chalita, que já está queimado mesmo, e de tabela vamos ajudar a queimar o Alkmin, para ele não tentar ser novamente candidato ao cargo que seria do Serra – o de futuro presidente do Brasil.

Tenho, então, de sair na defesa do Chalita. Sim, justo eu, que ataquei o moço o tempo todo, tenho de propor que se faça justiça. Vamos aos fatos. Chalita nunca poderia ter sido secretário da Educação. A visão dele é a de um escritor de auto-ajuda. E não há demérito nisso. Ele ganha dinheiro assim. Há professoras que acham ele “bonito”, acreditam que ele é o tipo do homem anunciado por Pepeu Gomes, o “homem feminino”. E ele próprio, Chalita, sabe que não entende nada de política educacional. Tanto é que seus escritos nunca tocam a política educacional, apenas a pedagogia. E a pedagogia dele é o que sabemos: “amor ali, amor aqui”. Ele vive de amor. Que fique bem claro: não tenho nada contra quem vende livro no estilo Paulo Coelho. E veja, há um mérito no Chalita que, para o meu gosto, eu já poderia dizer que ele foi o melhor que passou na secretaria da Educação com o PSDB: ele colocou de volta a filosofia e a sociologia no Ensino Médio. Pronto, já fez muito. O que fizeram os outros, do PSDB? Nada? Não, não, fizeram essa bobagem: implantaram a “progressão continuada” e, ao contrário do que pensa Saviani, a implantaram corretamente, pois o que fizeram era, sim, a idéia original. O erro aconteceu pelo fato de a idéia original ser uma idéia ruim, algo que dizem que existe em outros países, mas que é mentira. Não existe. Não existe a idéia e não existe o fato. A idéia, como ela apareceu nos documentos da secretaria da Educação de São Paulo e nos livros dos que a defenderam é um erro do começo ao fim. Ela pressupõe condições de vida e trabalho do professor da rede pública que nunca existiram e que não vão existir, preservada a via da política econômica brasileira, tanto a de FHC quanto a de Lula.

A progressão continuada era exatamente isso que a palavra diz: a escola é vista como excludente por fazer provas e avaliações que colocam de lado o aluno que não aprendeu, e então, em vez de fazer o aluno aprender, cria-se um sistema onde a esperança de que ele aprenda é postergada. Ora, onde existe isso no mundo? Em nenhum lugar. Em todos os lugares do mundo onde a educação é levada a sério o sistema meritocrático (e excludente, às vezes) é o que vinga. Mas então os países judiam de suas crianças, e colocam os pobres para fora da escola? Alguns sim, outros não. Onde as crianças tomam as avaliações como normais, como elas eram vistas no meu tempo de estudante, nada é assustador. O aluno sabe que tem prova e ele se prepara para ela e passa. Ele não é avisado, por manuais de pedagogia, de que o exame é excludente. E como ninguém conta isso para ele, ele faz o que nós fazíamos, estudávamos e passávamos. E isso era válido para o filho do rico, do remediado e do pobre. Quem nega isso em relação ao ensino dos anos 50 e 60 está mentindo propositalmente ou esqueceu do seu próprio passado, andou lendo estatística de pedagogo fraco ou de pessoas que não entenderam a exclusão como ela apareceu nos textos dos sociólogos franceses, como Bourdieu, por exemplo.

Nunca Bourdieu defendeu que deveria haver progressão continuada ou qualquer forma de facilitação na escola francesa por causa de que ela “reproduzia” as divisões sociais já encontradas na sociedade, e não fazia o que ele, Bourdieu, acreditou que os liberais prometiam a respeito da escola, que ela melhoraria a democracia social e econômica. Qual a razão de Bourdieu não fazer nenhuma defesa dessa “facilitação” que, estranhamente, Dermeval Saviani endossa ao endossar “a idéia de progressão continuada” e não a prática brasileira dela? Simples: o tempo escolar é finito e rápido. É necessário um país altamente voltado para a educação, em todos os seus setores, para que a escola desse país possa se dar ao luxo de criar mecanismos de ensino em que as avaliações não sejam capazes de classificar e hierarquizar as pessoas. Só as sociedades já altamente democráticas conseguiram isso. E mesmo elas, de vez em quando, temem estar afrouxando essa situação e retomam mecanismos classificatórios. Aliás, diga-se de passagem, mesmo nos Estados Unidos, sob a pedagogia de Dewey no passado, as escolas não escaparam de requisitar para si a capacidade de colaborar na hierarquização da sociedade. Tornar a educação, por conta de mecanismos de suavização dos gargalos de evasão e promoção, um elemento de favorecimento da democratização geral, nunca foi promessa dos liberais. A democracia, com a escola hierarquizadora, que a partir de certo momento diz “você não aprendeu, e vai ficar, e você aprendeu, e vai ser promovido”, não deixou de existir como política oficial dos países democráticos. Não conseguimos, ainda, no mundo todo, a convencer as crianças a estudarem “por gosto”. Os mecanismos de coerção, que podem parecer absurdos para alguns, só parece absurdos para estes que, enfim, eles próprios não puderam ter esses mecanismos incorporados por conta deles próprios não terem feito boas escolas. A meritocracia é um orgulho na França, na Noruega, no Japão, nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Rússia. Era boa aqui também, para pobres e ricos, no meu tempo de estudante. Ganhar medalhas, mostrar que se é capaz de fazer um esforço e um sacrifício para “passar de ano” sempre foi um bom desafio para as crianças do mundo todo. E os ditos fracassados na escola não foram tantos na democracia quanto se imagina. Há fracassados na escola quando um país como um todo começa a fracassar. Isso é outra coisa.

A política educacional de Saviani, Rose e Guiomar, e que fez tudo que era errado com a “progressão continuada”, ora em teoria ora na prática, foi a herança que Chalita pegou. Ele continuou. Afinal, o que faria? E agora, Serra vai mudar algo? Todos já viram que não vai. E todos já viram que o PSDB na educação é esse jogo de cena aí: cada um joga a culpa no outro, sem quererem admitir que são todos culpados. Pois são um bando de irresponsáveis.

Paulo Ghiraldelli Jr.
“O filósofo da cidade de São Paulo”.
Site: www.filosofia.pro.br
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Um comentário:

Anônimo disse...

todos nos temos um defeito'nesse mundo ninguem e perfeito